Jesus está no início da sua vida
pública. Como bom judeu, vai à sinagoga onde fala abertamente da novidade que
traz em nome de Deus e “limpa” os espíritos de pessoas que manifestavam sinais
de forças estranhas e maléficas. Participa na oração oficial, assume o direito
à palavra e prega com autoridade. Da sinagoga, espaço religioso, desloca-se
para a casa de Simão e André. Deslocação indicativa das suas preferências pela
vida quotidiana: encontros no lago, em casas de família, nos caminhos públicos,
em refeições, em diálogos pessoais e locais silenciosos. Deslocação que se
mantém como referência para os discípulos: conjugar a oração como relação com
Deus Pai e a acção de bem-fazer como rosto do querer deste bom Deus. Jesus,
desde o início, deixa-nos este belo exemplo.
A casa de Simão Pedro é “uma vivenda de
tipo clã, onde habitavam várias famílias com parentesco próximo, distribuídas
por quartos/salas em torno a dois pátios interiores com comunicação entre si…
Neles, decorria a vida do clã… Quantas imagens bebeu Jesus dessa vida cheia de
colorido para ilustrar as suas catequeses sobre o Reino de Deus!”. Sirva de
referência o fermento que leveda a massa e a moeda perdida que é encontrada e
provoca grande alegria. (Guia de Tierra Santa, História-arqueologia-bíblia,
Verbo Divino, p. 325).
Ao regressar a casa, Jesus ouve falar da
doença da sogra de Pedro. Vai ao seu encontro, aproxima-se da doente, toma-a
pela mão e levanta-a. Não diz palavra. O gesto fala por si e constitui um
modelo de relação sanadora. Parece um ritual de curas, sem magias nem
exorcismos. O guia de acção está bem delineado por Marcos (1, 29-39): Ir aonde
a se encontra a pessoa doente, colocar-se ao seu nível, sobretudo da disposição
com que vive o sofrimento e a dor, tocar-lhe como quem comunica a saúde
integral de que é portador, agarrar a mão para a erguer na vida, ajudando-a
recuperar a dignidade de poder desempenhar as suas funções normais. O que faz à
sogra de Pedro, faz Jesus a tantos outros, como bem registam os Evangelhos.
A acção de Jesus desvenda a nobreza de quem
cuida das pessoas doentes, dos profissionais bio-médicos, dos filósofos que
buscam sentido para a dor, a fragilidade humana, a morte. Manifesta também o
alcance da reflexão teológica que tem a cargo fazer compreender, dentro do
possível, a presença da dimensão transcendente e o seu impacto no ser humano e
em toda a realidade social. Deixa a claro a solicitude dos discípulos
missionários que, pelo testemunho de vida, acompanham até ao limite quem sofre
e procura alento e esperança de superação.
A novidade do Evangelho de hoje é que
Jesus quer curar-nos. Servindo-se de mediações, como faz parte da economia da
salvação e a Igreja não cessa de proclamar. Curar-nos da dor sem-sentido e que,
como a Job, nos impele a fazer perguntas lancinantes: «Couberam-me em sorte
noites de amargura. Se me deito, digo: Quando é que me levanto? Se me levanto:
Quando chegará a noite?; e agito-me angustiado até ao crepúsculo». “Este tomar
a palavra perante o mal que invade o seu corpo, afirma Manicardi, Comentário,
p. 97, não é sufocado por quem está junto do doente com exortações ao silêncio,
ou a «não dizer isso», ou a não perturbar, mas é percebido como um momento
importante do penoso processo de assunção da crise existencial que se
introduziu na vida do homem”. A linguagem do protesto e de contestação torna-se
legítima e desvenda a condição frágil da pessoa doente.
Jesus quer curar-nos da indiferença
(parece que “mão invisível” impôs um pacto de silêncio em relação às pessoas
que sofrem e ao mundo da dor e da morte) e fazer-nos solícitos, próximos,
amigos, capazes de dar razões da nossa humanidade e afirmar a nossa fé. Quer
curar-nos do peso da inutilidade, da sensação da sobrecarga, do luto das
tarefas deixadas, da estreiteza do horizonte sem esperança. Quer curar-nos de tantas
outras feridas que agitam o nosso mundo emocional e perturbam o normal
funcionamento do nosso organismo. Quer curar-nos e, embora roídos pela dor,
sabermos que Deus vela por nós, nos envolve no seu amor e nos alenta com a sua
misericórdia. Quer curar-nos abrindo os braços na cruz e mostrando as chagas do
coração, fruto do amor que nos tem e liberta.
O Papa Francisco na «A Alegria do
Evangelho», lembra que: “Às vezes sentimos a tentação de ser cristãos, mantendo
uma prudente distância das chagas do Senhor. Mas Jesus quer que toquemos a
miséria humana, que toquemos a carne sofredora dos outros. Espera que
renunciemos a procurar aqueles abrigos pessoais ou comunitários que permitem
manter-nos à distância do nó do drama humano, a fim de aceitarmos verdadeiramente
entrar em contacto com a vida concreta dos outros e conhecermos a força da
ternura. Quando o fazemos, a vida complica-se sempre maravilhosamente e vivemos
a intensa experiência de ser povo, a experiência de pertencer a um povo. (EG
270).
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