domingo, 14 de janeiro de 2018

CINCO BOMBAS SOBRE A HUMANIDADE

Cronica de Anselmo Borges, no Diário de Notícias

Escrevi aqui, em duas crónicas, sobre os triunfos da humanidade em relação à fome, à pobreza, à saúde, ao saber, à liberdade, à igualdade... Foram apresentados factos, números, estatísticas, inegáveis. Isso tem de ser registado, para que se saiba do nível actual sem precedentes nos padrões de vida globais. Mas não quereria que se ficasse com a ideia de um optimismo ingénuo. Na verdade, é preciso ser realista e tomar consciência, como acentua o filósofo e teólogo Xabier Pikaza, das cinco bombas que pesam sobre a humanidade e que podem destruí-la pura e simplesmente. A ameaça maior para a Humanidade na actualidade tem que ver com o seu excesso de poder, de tal modo que, sem diálogo, sem uma mudança de paradigma, ela pode auto-eliminar-se. Quais são essas cinco bombas e o seu risco?

1. Vimos da natureza, mas é em nós que a natureza e a sua história tomam consciência de si. Somos da natureza, mas, ao mesmo tempo, na natureza, contrapomo-nos a ela, reflectimos sobre nós e sobre ela. Temos capacidade para descobrir os seus segredos, as suas leis, os seus mecanismos interiores, e tanto podemos servir-nos dela, contemplá-la na sua grandeza e beleza, como destruí-la. Aí está o armamento nuclear, atómico, que pode dar azo à total destruição da natureza e da humanidade. Antes, não tínhamos, mas agora temos a possibilidade de realizar um suicídio global. Muitos países possuem ou possuirão armas atómicas e, com esse meio, podem acabar com a vida e a humanidade toda no planeta. O Papa Francisco não se cansa de repetir que a Terceira Guerra Mundial está em curso, embora aos pedaços, às fatias, e o receio é uma guerra total, que pode tornar-se uma guerra nuclear. Suponhamos que um grupo terrorista se apodera de armamento atómico...

2. O outro risco é o da bomba biológica. Até agora, o processo da vida tinha-se desenvolvido por si mesmo, com mutações genéticas e orientando-se através do acaso e da necessidade. E aparecemos nós: sapiens sapiens, devendo sempre acrescentar-se e demens demens - sapiente sapiente e demente demente. Descobrimos que podemos intervir nesses mecanismos e processos, suscitando e seleccionando mutações, intervindo no desenvolvimento da vida vegetal e animal e também humana. Essa capacidade de influir na genética pode trazer vantagens e ser boa; mas, quando se manipula os genes para serviço de alguns ou de interesses incontroláveis, ficamos frente à bomba genética e é o próprio ser humano que está em perigo de destruição. O que queremos e o que vamos fazer com as NBIC (nanotecnologias, biotecnologias, inteligência artificial, ciências cognitivas e neurociências), a caminho do trans-humanismo e mesmo do pós-humanismo? Ainda queremos seres humanos, fins em si mesmo, autónomos, ou como meios para outros fins (económicos, sociais, militares)?

3. A encíclica do Papa Francisco, Laudato Si", sobre o meio ambiente e a ecologia, fará certamente história, marcando-a, podendo mesmo tornar-se o documento papal de sempre com mais influência. Nela, Francisco avisa para as ameaças ecológicas, iminentes. A poluição aumenta assustadoramente, há resíduos tóxicos de todo o tipo por todo o lado, incluindo nos oceanos, o aquecimento global não pode ser negado... Ainda iremos a tempo de evitar o cataclismo e o point of no return nos equilíbrios naturais? Talvez a maior novidade da encíclica consista em ter vinculado o movimento ecológico com a justiça social. Ecologia ambiental e ecologia humana são indesvinculáveis. Escreve Francisco: "O planeta continua a aquecer, em parte por causa da actividade humana: 2015 foi o ano mais quente alguma vez registado e provavelmente o ano de 2016 sê-lo-á ainda mais. Isso provoca seca, inundações, incêndios e fenómenos meteorológicos extremos cada vez mais graves. As alterações climáticas contribuem também para a dolorosa crise dos emigrantes forçados. Os pobres do mundo, que são os menos responsáveis pelas alterações climáticas são os mais vulneráveis e sofrem já os efeitos."

4. O Papa condena uma situação na qual "os poderes económicos continuam a justificar o actual sistema de economia autónoma, de tipo financeiro, na qual primam uma especulação e uma busca de lucro que tendem a ignorar os efeitos que produzem na dignidade humana e no meio ambiente", esquecendo que "a degradação ambiental e a degradação humana e ética estão intimamente unidas". Aí está, pois, a quarta bomba: o grande enfrentamento, devido à injustiça social no mundo. Dou um exemplo: se não houver desenvolvimento na África, também com o apoio dos países ricos, por causa da fome e da desertificação no continente não haverá muros que detenham milhões de emigrantes africanos às portas da Europa.

5. A quinta bomba: o cansaço vital. Sem transcendência e sentido, sentido último, viver para quê? "O risco maior deste mundo é já o cansaço da vida, que se mostra na necessidade de fármacos e drogas que se consomem, na quantidade de suicídios que se cometem." Mais do que de dominar tecnicamente o mundo, precisamos de aprender a "fruir a sua beleza, reconhecendo todos os dias o valor da vida e bendizendo Deus por ela".

6. Frente às ameaças do mundo e da humanidade, precisamos de um novo macroparadigma. Num mundo limitado, não é possível um desenvolvimento sem limites; face ao consumo desenfreado, precisamos de reaprender a viver com moderação; face ao mito da razão instrumental, com todas as suas consequências, temos de voltar à razão cordial, que sente; frente ao narcisismo idolátrico, temos de reaprender o que é uma sociedade convivial, do diálogo. E é possível, talvez necessário, pensar, através do encontro de representantes das grandes religiões mundiais e correntes de pensamento, numa Proclamação Solene à Humanidade sobre as condições de possibilidade para ela ter futuro.

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

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