Amílcar Cabral deixou claro que, com a independência do país, Bissau não iria ser a capital política, e nem o sistema político constituído iria ter ministros e governadores- porque não se iria copiar ou imitar as coisas de gênero, com um risco eminente de estimular a existência de uma pequena burguesia autocrática pronta a tudo fazer para tornar-se uma burguesia impiedosa pronta a subjugar e a explorar, de novo, o povo guineense. Em consequência, Amílcar afirmou um sentido de desenvolvimento colocando, no primeiro plano, o desenvolvimento do meio rural e agrícola, para fazer a justiça e impulsionar a solidificação da classe camponesa majoritária que na sua aliança com a classe operária pudessem manter uma verdadeira unidade do país, e permitir a realização de um desenvolvimento sustentável do povo guineense.- Professor doutor Filipe Benício Namada
Por, Professor Filipe Benício Namada,
PhD
Estar presente ouvindo, olhando e
refletindo sobre aquilo que atualmente, se vive na Guiné-Bissau, acaba por nos levar
a perguntar se no interior do nosso povo existem intelectuais? E, se existe
algum caminho traçado que pudesse indicar uma direção a seguir em busca do
desenvolvimento para o referido povo? Se intelectuais existem; e se um caminho
também existe, porquê de tantas confusões e imbróglios que dão, ao contrário,
mais provas de imbecilidade do que a inteligência e racionalidade?
Para encontrar respostas a tantas
perguntas, somos obrigados a recorrer, ao percurso histórico da Guiné-Bissau,
lembrando-se, sobretudo, que hoje estamos num período histórico da
Guiné-Bissau, marcado pelo dia 23 de Janeiro, dedicado à memória dos Antigos
Combatentes da liberdade da Pátria Guineense e Cabo-verdiana, da dominação
Colonial portuguesa. Para falarmos do percurso histórico da Guiné-Bissau,
limitamo-nos ao período dito “moderno” da história do povo Guineense. Período
sem nenhuma dúvida, iniciado pelo grande líder Amílcar Lopes Cabral, cujas ideias
modelaram a forma, as perspectivas, os instrumentos, a filosofia política e
social da luta de libertação. Como, ao mesmo tempo, elas orientaram, passo a
passo, degraus em degraus, as diferentes fases dessa luta gloriosa. A razão por
que, muito perto da vitória final, desse heroico acontecimento, que surpreendeu
o mundo inteiro, os seus inimigos internos do PAIGC, um dos instrumentos da
luta fundados por ele, aliados às forças externas eliminaram-no, fisicamente. Aliás,
foi assim que, Amílcar Lopes Cabral deu a sua vida para a libertação do povo
guineense e cabo-verdiano. Dando, ao mesmo tempo, o dia memorial aos antigos
combatentes da liberdade da pátria. Sem esquecer as razões e os objetivos que
moveram, quer as forças internas, quer as forças externas, a aliar-se para
cometerem referido crime.
As forças internas que viam Amílcar
Cabral como obstáculo, à sua participação no poder de Estado, cuja proclamação
estava sendo preparada por ele, com a sua eliminação física pensavam poder
acaparar-se desse poder de forma a limitá-lo ao serviço dos seus interesses
pessoais.
Quanto as forças externas, a liquidação
do intelectual cujas ideias se assentavam sobre as qualidades especiais de
auto-disciplina e autonegação, que caracterizaram o Amílcar Cabral ao longo do
percurso da luta de libertação, era vista como uma vitória benéfica a um dos
blocos, tratando-se do período da “guerra fria” entre dois blocos, entre os
quais, certos analistas de um dos blocos atribuíram, erradamente, o líder
carismático, as intenções de “colaboração” com o bloco inimigo. Essas forças
passaram a temer Amílcar, sobretudo, a sua capacidade de fazer gerar, de forma
permanente, ideias poderosas, que podiam, uma vez na cabeça de países
independentes, fazendo parte da zona, ocidental Africana, transformar-se-ia em
sério obstáculo, para o desenvolvimento normal dos seus interesses
capitalistas.
Aliás, foram essas suas qualidades de
autodisciplina, ou seja, de abnegação consciente para dedicar-se a causa do
povo espezinhado, que o significado fez do Amílcar Cabral um símbolo incontestável
de grande valor e colocou-o como um exemplo a seguir, quer no percurso da luta
de libertação, quer no período pós-independência, que ele designou de execução
do “programa maior”, para todos aqueles, que buscam servir, seriamente, o nosso
povo. Por outro lado, é preciso reconhecer que, Amílcar Cabral deixou claro
que, com a independência do país, Bissau não iria ser a capital política, e nem
o sistema político constituído iria ter ministros e governadores- porque não se
iria copiar ou imitar as coisas de gênero, com um risco eminente de estimular a
existência de uma pequena burguesia autocrática pronta a tudo fazer para
tornar-se uma burguesia impiedosa pronta a subjugar e a explorar, de novo, o
povo guineense. Em consequência, Amílcar afirmou um sentido de desenvolvimento
colocando, no primeiro plano, o desenvolvimento do meio rural e agrícola, para
fazer a justiça e impulsionar a solidificação da classe camponesa majoritária
que na sua aliança com a classe operária pudessem manter uma verdadeira unidade
do país, e permitir a realização de um desenvolvimento sustentável do povo
guineense.
É verdade que, com o país independente,
Luís Cabral, eleito presidente da república, apesar de ter ficado com medo
terrível depois do assassinato do seu irmão, tentou trilhar pelo caminho,
traçado por este, pondo em prática algumas das suas ideias. É o caso, por
exemplo, do governo de comissários de Estado, da prioridade do meio rural e
agrícola, a importância à descentralização, ao ensino, à saúde, etc.
Mas hoje, atento ao cerne de percurso
histórico da Guiné-Bissau, constata-se que nem tudo correu bem. Se não, como
explicar o aparecimento de dirigentes políticos com atitude de verdadeiros
patetas rígidos, ingênuos, sedentos de poder e dinheiro? – Fatores que se
transformaram em essência da sua paixão, uma verdadeira forma de prostituição
física-espiritual, inserida, politicamente, na administração pública com a
independência, há anos para cá, na ausência de uma inteligência que possa
presidi-la e à qual possa obedecer. Em consequência, esta forma de paixão,
torna-se obstáculo sério a todo o esforço de transmissão de valores à cúpula da
referida administração política, que atua sem controlo e, conduz ao fracasso,
se não, ao desastre que hoje se vive no país. O que, sem dúvida, demonstra que
aconteceu qualquer coisa, de muito sério no percurso da nossa história. Se não,
como explicar a atitude política de certos dirigentes, da nossa praça pública
que, sozinhos, em situação de paz, não produzem nada útil, por isso, são
obrigados a correr à busca de “grandes magos”, ultrapassando todos os limites
do “culto da personalidade”? Para além de tentarem, em seguida, convencer a
população guineense a confiar nesses seus “magos” de caráter criminoso, como os
únicos dirigentes capacitados a conduzi-la ao bom porto. Quando ao contrário,
esta tem uma viva consciência daquilo que esses “magos” são, de fato, capazes
de fazer: roubar, ameaçar, matar, dividir, corromper com “sacos” de dinheiro
etc. Em resposta à última das questões postas, recordamos, da experiência de um
dos fundadores da nossa ciência sociológica, Max Weber, confrontado com a
realidade sociopolítica que o povo Americano vivia, caracterizada pelo
capitalismo moderno, onde dominava a ganância e obsessão com o dinheiro e a
riqueza, isto é, com os aspectos do materialismo moderno. Na sua análise da
situação, concluiu que houve um comportamento desviante ou seja uma “busca
religiosa deslocada” parafrasear Jacob Needleman (1991), em direção aos
referidos aspectos materiais da vida, a tal ponto que esse desvio ou deslocação
das ideias do cristianismo protestante fomentou, decisivamente, o
desenvolvimento do capitalismo moderno.
Relativamente ao caso da realidade
guineense, analisada no percurso histórico que o nosso povo conheceu, tendo,
sobretudo em conta, que o PAIGC é um dos instrumentos políticos que Amílcar
Cabral criou. E porque os seus atuais dirigentes pretendem orientá-lo, como
partido, na continuidade das ideias do líder, afirmamos apoiando-se nas ideias do
Needleman (1992) para concluir que: As ideias tal como aquelas de Amílcar, são
uma força estimulante na sua forma completa e no contexto próprio – não quando
utilizadas ou compreendidas, apenas um aspecto delas – porque tornam-se um
soporífero ou até uma influência destrutiva. Porque as ideias mais nobres e
mais poderosas podem constituir o veneno mais poderoso para espírito e a alma
das pessoas, tal como atualmente se verifica com responsáveis políticos da
nossa praça pública, atores das crises insolúveis que destroem a unidade, a economia
e a paz do povo guineense. Com Odemocrata
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