“… We now consider the global benefits resulting from
a reduction in the incidence of civil war. Benefits from reducing conflict and
war accrue at three distinct levels: national, regional and global…”.
Paul Collier, Professor of Economics and Director
Center for the Study of African Economies (CSAE) Oxford University, United
Kingdom, In “Reducing the Global Incidence of Civil War: A Discussion of the
Available Policy Instruments”, 2004.
A interligação e interdependência
crescente entre os factores “conflitualidade” e “desenvolvimento”, associado a
factores conjunturais geoestratégicos e geopolíticos específicos (economia,
cultura, religião, política), são considerados os principais factores
responsáveis pela complexidade crescente nas relações entre actores na
Comunidade Internacional. Este singular aspecto assume especial relevo nas
designadas “cinturas de fragmentação”1, nomeadamente nas zonas de fricção entre
sociedades, culturas ou religiões, nas linhas de fronteira entre estados, nas
áreas conjunturais de valor geoestratégico acrescentado e em regiões de
potencial atrito religioso, político ou económico. Nestas regiões, onde existe
potencialmente um risco acrescido e latente de conflitualidade, assiste-se por
norma, a uma proliferação de conflitos regionais e intraestatais, de dimensão,
características e complexidade variável. Estes factores de atricção, separada
ou comulativamente, vêm conduzindo a um subdesenvolvimento estrutural grave,
levando à falência dos estados aí localizados e consequentemente à rotura
social, económica e política instituída. Neste sentido, pensamos que a
complexidade crescente e a fricção latente nas relações entre povos, estados e
civilizações, conduzem a um aumento da instabilidade local, regional e mundial,
constituindo-se num factor de permanente preocupação para toda a sociedade
internacional. Constata-se ainda que os conflitos conjunturais e
regionalizados, localizados numa determinada área do globo, têm implicações não
só à escala regional, mas por influência e osmose, à escala mundial, afectando
a segurança e o desenvolvimento global. Numa dinâmica pacificadora e em prol do
desenvolvimento sustentado, temos vindo a assistir a uma intervenção crescente
da Comunidade Internacional na busca de soluções optimizadas para um prevenção
efectiva e uma resolução proficiente destes conflitos regionais. Neste sentido,
as políticas e estratégias de combate ao subdesenvolvimento, entroncam
transversalmente nas estratégias de resolução e prevenção de conflitos, sendo
por essa via, importante diferenciar conceitos, clarificar o âmbito das acções
e adoptar um corpo de conceitos sólido e abrangente, que poderão constituir uma
ferramenta para a compreensão desta importante temática que afecta o mundo.
Este artigo constitui no nosso entender,
um modesto contributo para a teorização destas problemáticas e tem o intuito de
facultar alguns conhecimentos estruturados no âmbito da gestão, prevenção e
resolução de conflitos, fazendo a interligação e a complementaridade entre
estes conceitos e as dinâmicas dos conflitos regionais que proliferam
actualmente em todo o mundo.
O
conceito de “Conflito”
O conflito, como fenómeno social
constitui-se nos nossos dias, e continuará a ser no futuro, segundo os
especialistas, uma constante no relacionamento humano nas sociedades, ou como
defendem as correntes ideológicas realistas nas Relações Internacionais, factores
de evolução e de erosão positiva dentro das sociedades. Segundo esta teoria,
onde existem dois seres humanos distintos, existem interesses diferenciados e
potencialmente um conflito entre eles. Estes teorizadores defendem ainda que o
conflito se fundamenta e sustenta numa dinâmica de afirmação de interesses, de
dicotomia de vontades, na luta pela submissão e subjugação de vontades entre
seres humanos. Esta relação afirma-se numa luta do mais forte sobre o mais
fraco, do mais afoito contra o mais pacato, na defesa de ideias, politicas,
religiões, onde os “valores” são o arauto dos “ideais”. Por esse motivo, o
termo “conflito” encerra na sua abrangência duas ideias essenciais: uma
primeira ideia, que consiste em constatar que estamos na presença de uma relação
entre duas ou mais entidades, num dado contexto conjuntural complexo, que não
sendo de cooperação, é seguramente de competição ou de acomodação. Outra ideia
(que se deduz da primeira) é que havendo competição, podem gerar-se tensões,
assistindo-se a uma graduação dessa tensão (positiva ou negativa),
constatando-se assim que o fenómeno da conflitualidade pressupõe, uma dinâmica
evolutiva de tensão entre actores, numa dada conjuntura complexa, que pode ser
explicada teoricamente através de um modelo sistémico, comportando um ciclo
(onde se podem inscrever fases) ou de um sistema (onde se inscrevem as
variáveis que o influenciam directa e indirectamente).
A dinâmica própria de um dado conflito
obriga, tendo em vista uma melhor compreensão e posterior resolução,
efectuar-se uma análise integral e conjuntural, no intuito a se determinar
cabalmente as causas, processos e consequências da sua eclosão, persistência ou
“terminus”, do conflito. Esta abordagem conceptual abrangente assenta numa
linearidade de aspectos que caracterizam transversalmente a dinâmica de um
conflito, permitindo a conceptualização de uma “teoria”, que pode ser analisada
e enquadrada à luz do designado «Ciclo de Vida do Conflito»2 (Figura 1).
Contudo, numa primeira abordagem, Ernest-Otto Czempiel, associa teórica e
sinteticamente o termo “conflito” a uma “…incompatibilidade ou diferendo de
posições entre actores…”, essencialmente para o transportar para fora do
âmbito militar e belicista, dando-lhe uma maior abrangência e um cariz mais
social.
Importa antes de mais reter que as raízes
do conflito assentam normalmente a sua génese, numa complexidade crescente de
múltiplos factores intimamente interligados, onde se destacam, entre outros, o
acesso e controlo de recursos vitais estratégicos, a luta pelo poder e pela
identidade (cultural, política, religiosa ou social), a manutenção de um
determinado “status quo”, nomeadamente associado a questões de ordem social,
tradicional e actualmente, relacionado com a preservação de valores, quer seja
no âmbito das ideologias ou das religiões. Contudo, o estudo dos conflitos
pressupõe, entre outros aspectos, uma abordagem às suas raízes mais profundas
(rootcauses), que passam pela identificação das causas, das consequências, mas
também pela análise da sua evolução, incluindo o diagnóstico dos factores
endógenos e exógenos, bem como apurar as possibilidades para a sua gestão,
prevenção ou resolução. Para Reychler, citado por Vincenç Fisas, um diagnóstico
caracterizado de “…sério e completo…”, implica que se analise o conflito em
relação a cinco aspectos considerados fundamentais: os actores envolvidos, os
litígios em causa, a estrutura de oportunidade, a interacção estratégica e a
dinâmica do conflito (2004, 31). Esta tentativa de sistematização confere-lhe
uma maior abrangência e multidisciplinaridade na sua análise, que a fazem
entrar no campo de uma nova ciência por criar, a que poderíamos designar por
“conflitologia”. Outros autores, numa concepção mais clássica e abrangente para
o termo conflito, definem-no como “…um intrínseco e inevitável aspecto da
mudança das sociedades, como uma expressão da heterogeneidade de interesses,
valores e crenças que reside nos constrangimentos gerados pelas revoluções
sociais…” (Miall, 2004, 5). Definição que assume o conflito como um
acontecimento indissociável da evolução social e das sociedades.
Esta concepção empírica e tendencialmente
positivista, associa o conflito a uma dinâmica própria, natural e considerada
evolutiva, das sociedades. Neste contexto, o conflito aparece intimamente
associado ao “…resultado da oposição de vontades, quase sempre envolvendo
recursos escassos, antagonismo de objectivos e frustrações…”, aferindo-se as
causas e consequências dos conflitos nas interacções existentes dentro de
qualquer sociedade. Contudo, constatamos que em ambas as definições o conceito
de conflito aparece associado a situações “…onde no mínimo, dois ou mais
actores se desentenderam para adquirirem ao mesmo tempo, determinados recursos
escasso e disponíveis…”, aspecto que coloca na causa da problemática o factor
humano como prevalência das ciências sociais (Swanström e Weissmann, 2005, 7).
Centrado na problemática do acesso a
recursos minerais estratégicos e a fontes de energia, o cerne actual das
contendas entre os principais actores preponderantes no Sistema Político
Internacional. Os especialistas e teóricos, procuram com o “Modelo de Conflito
de Mitchell’s”, encontrar os motivos dos conflitos e assim poder explicar as
causas basilares que conduzem ao seu surgimento, referindo genericamente que
estas assentam em três factores chave: as atitudes, os comportamentos e as
situações. Estes factores, isoladamente, ou normalmente em interacção, estão na
origem de grande parte dos conflitos que ocorreram e ocorrem actualmente nas
nossas sociedades, sendo contudo necessário uma abordagem mais ampla,
abrangente e muito mais complexa, para se obter uma análise credível do
conflito. Este modelo apresentado sintetiza, segundo o autor, a complexa
realidade social de uma maneira compreensível, tendo sido criado para explicar
modelos de conflitos de índole política e militar, e que pode também ser
aplicado a outro tipos de conflitos na Comunidade Internacional, com impacto
directo nas economias regionais e mundiais, no ambiente e na segurança mundial
(Ibidem).
O termo “conflito” e a sua evolução numa
dada conjuntura aparecem normalmente associados a uma variação de múltiplos
factores, a uma progressão graduada (não linear), de constância variável, que
sendo independente das diferentes formas de diferendo, pode ir desde a paz
consentida ou estável, à paz instável, passando pela crise e na fase mais aguda
do seu desenvolvimento, à guerra. Esta definição abarca no seu desenvolvimento
o vasto léxico das designadas “Operações de Paz”, referidas pelo ex-Secretário
Geral das Nações Unidas (NU), Boutros Boutros-Ghali na “Agenda para a Paz”3.
Numa perspectiva dicotómica de resposta aos conflitos, contemplando uma
catalogação, Rodrigues Viana, sintetiza conceptualmente um modelo de emprego
das Forças Armadas nas operações militares4, respeitante ao enquadramento do
conflito no espectro das operações militares, atribuindo-lhe, quanto ao grau de
desenvolvimento, uma qualificação de «conflito potencial», para situações de
paz e de eventual escalada para a crise, passando pelo grau de «conflito
menor», associado genericamente à crise e no topo da escala, o termo de
«conflito maior», relacionado com o Estado de Guerra (2002, 171-172). Esta
sistematização, associada às missões genéricas que as Forças Armadas
desempenham nas actuais sociedades, permite entender melhor o papel das mesmas
no quadro das missões típicas de segurança e defesa nacional.
A
dinâmica dos Conflitos
Se pretendermos caracterizar a actual
situação internacional podemos conceber que esta permanece “…volátil, incerta e
complexa, como resultado das características de um sistema marcado pela
heterogeneidade de modelos políticos, culturais e civilizacionais…”, em que tal
como no passado, os conflitos são uma constante no relacionamento entre os
homens, sociedades e civilizações (Viana, 2002, 31). Este singular e cruel
aspecto, tem actualmente uma expressão ímpar no continente africano e asiático,
bem como mais recentemente no mundo islâmico, onde se constata uma tendência
para um aumento globalizado da conflitualidade, apresentando alguns aspectos
inovadores. Esta “nova” conflitualidade transportou os conflitos para o
interior dos estados, tendo-se como causas directas para essa mutação, entre
muitas outras, motivações relacionadas com a luta pelo acesso a recursos
minerais estratégicos, a luta pelo acesso ao poder e os dogmas religiosos
extremistas, que em regra, se intensificam na razão inversa do desenvolvimento
e da prosperidade económica vivida nessas regiões (Marshall e Gurr, 2005, 3-10).
Após a queda do muro de Berlim e com o
final da guerra-fria, a envolvente na perspectiva da resolução de conflitos tem
vindo a mudar constantemente, principalmente porque a “…relação entre as
superpotências da guerra-fria, fez desaparecer o mito dos conflitos regionais
pela ideologia e pela simples competição militar…” (Miall et. al., 2004, 2).
Estes factores contribuem para relançar novos e complexos motivos na
multiplicidade de conflitos de carácter regional que proliferam actualmente um
pouco por todo o mundo. Neste novo contexto estratégico de constante mudanças,
a sociedade internacional viu-se na contingência de estabelecer uma base
terminológica entendível que congregasse o mundo em torno de objectivos
considerados primordiais, como são o apoio ao desenvolvimento e a segurança
partilhada, pois principalmente esta última “…é como o oxigénio, é fácil
tomá-la como certa, até o começarmos a perder, depois não conseguimos pensar
noutra coisa…” (Ney, 2002, 223).
A necessidade de se estabelecer um diálogo
na dialéctica internacional, conduziu ao aparecimento de várias teorias
especializadas na abordagem da conflitualidade e dos fenómenos da paz e da
guerra. Da retórica académica, ao discurso político, passando pelas
terminologias dos “operacionais da paz”, constata-se que os termos empregues
nem sempre definiram a mesma linearidade de pensamentos, significaram o mesmo
propósito ou se enquadram num idêntico contexto5. Na dinâmica dos conflitos, as
organizações, estados e demais actores da cena internacional, procuram
interagir e comunicar entre sí, tendo em vista gerir os conflitos de uma forma
mais proficiente, rápida e com um nível de empenhamento cada vez mais
abrangente. Este desiderato requer consistência na acção, uniformidade nos
procedimentos, mas principalmente o emprego de uma terminologia e de uma
doutrina comum. Para uma melhor contextualização do termo conflito e da sua
gestão, torna-se fundamental apresentar uma abordagem ao «ciclo de vida do
conflito», utilizando-o teoricamente como base conceptual e modelo de partida
para se abordar os fundamentos relacionados com a gestão, prevenção e resolução
de conflitos, efectuando-se uma abordagem teórica ao tema da conflitualidade,
conferindo uma visão transversal sobre a temática dos conflitos.
A
Prevenção de Conflitos
Partindo do princípio teóricamente
aceitável, de que a paz é preferível à guerra e de que em alguns casos, é mais
difícil manter a paz do que acabar com uma guerra. Charles-Philippe David
corrobora esta ideia, referindo concretamente que “…a diplomacia e as
negociações para a paz são sempre preferíveis à guerra…” (2001, 281).
Actualmente, por esse motivo, a prevenção de conflitos (conflict prevention)
tornou-se no tema central da moderna diplomacia, acompanhando sistemáticamente as
relações entre os actores no Sistema Político Internacional. Nesse prisma, a
prevenção de conflitos, constitui-se numa actividade estrategicamente muito
sensível, principalmente no que concerne à identificação, prevenção e limitação
dos diferendos na sociedade internacional. O insucesso da prevenção, conduzirá
a prazo, a um agudizar desse conflito, correspondendo a um crescimento da
insegurança, da instabilidade social e à rotura das estruturas governativas
regionais, reflectindo-se nas economias regionais e por via da globalização,
nos mercados mundiais. A abordagem à gestão dos conflitos é, como iremos ver,
substancialmente diferente, podendo-se constatar que uma abordagem “realista”
pretende agir sobre os factores concretos e directos que causam a guerra, a fim
de os evitar ou «prevenir». Contudo, outra abordagem conceptual, considerada
pelos especialistas como mais liberal e crítica, procura descobrir e contrariar
as origens mais profundas dos conflitos, as “rootcauses”, a fim de as
«resolver» convenientemente (Idem, 282). Nesta diálise permanente entre o
prevenir e o resolver o conflito, em que a essência da sua aplicabilidade,
depende essencialmente dos meios disponíveis, do tipo de conflito, do tempo
disponível e actualmente, mais do que nunca, da vontade dos líderes mundiais e
da conjuntura internacional, torna-se vital destrinçar e identificar claramente
estes conceitos.
A terminologia e os conceitos utilizados
variam de acordo com as várias épocas, Escolas de pensamento e os autores
considerados para análise. Contudo, de acordo com Bruce Russett, “…a prevenção
e a gestão de conflitos são termos similares, que assentam basicamente numa
metodologia e num conjunto de mecanismos usados para evitar, minimizar e gerir
o conflito entre as partes em diferendo…” (Swanström e Wiessmann, 2005, 5).
Neste âmbito, quando se alude exclusivamente à prevenção de conflitos, Clément,
descreve-o como um “…conjunto de instrumentos usados para prevenir e resolver
qualquer disputa antes desta se tornar num conflito activo…” (Ibidem). Outra
perspectiva, mais centrada nas pessoas e nos seus comportamentos sociais,
concebe a prevenção de conflitos como um “…conjunto de medidas para prevenir
comportamentos conflituosos indesejados, quando surge uma situação de
incompatibilidade de objectivos…” (Fisas, 2004, 143-144). Contudo, importa
reter que com a prevenção, pretende-se acima de tudo, evitar o eclodir do
conflito, actuando-se nas suas potenciais causas base e ocorre por norma antes
de este deflagrar (pré conflito) ou nos seus estágios iniciais.
No documento orientador das Nações Unidas
para a área da prevenção de conflitos, que constitui a “Agenda para a Paz”,
introduziu-se entre outros conceitos, o da “diplomacia preventiva”, passando a
constituir uma ferramenta ímpar na gestão da conflitualidade actual e sendo
apresentada conceptualmente como a “…acção destinada a evitar a eclosão de
disputas entre as partes, com vista a impedir que disputas já existentes,
evoluam para conflitos e a limitar a expansão destes quando ocorram…” (Branco,
2004, 106). Neste contexto, António Monteiro, alude às três dimensões em que
pode ser adoptado: a primeira, orientada para as causas do conflito, a segunda,
destinada a impedir que os confrontos se tornem violentos e uma terceira
dimensão, num estágio mais tardio (avançado) do conflito, em que se procura
conter a expansão ou a escalada da violência (2000, 58). Realce nesta abordagem
para o âmbito e o contexto destas medidas, em que actualmente a sociedade
internacional, se esforça por utilizar como ferramenta na relação entre os
actores no Sistema Político Internacional, principalmente quando temos a
intervenção de uma terceira parte (neutral, mas com credibilidade) na gestão de
conflitos localizados ou regionais. Noutro âmbito, embora concordante, a
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), adoptou também uma definição
de «prevenção de conflitos», que se enquadra na tipologia de Operações de Apoio
à Paz, no âmbito da ONU, reportando-se às “…actividades desenvolvidas,
normalmente sobre o Capítulo VI da Carta das NU, que vão desde as iniciativas
diplomáticas à preventiva projecção de forças, destinadas normalmente a
prevenir que disputas possam escalar para conflitos armados…” 6.
A prevenção de conflitos tem como
objectivo medidas de longo prazo e assenta grandemente na diplomacia
preventiva, tendo como principais ferramentas operativas, entre outras, a
monitorização ou a intervenção preventiva com vista a evitar ou a conter o
conflito na fase inicial, estabelecer mecanismos de alerta precoce, elaborar
planos de contingência, flexibilizar as resposta e institucionalizar a ideia da
prevenção de conflitos a nível local, regional e internacional. Estes
princípios regem actualmente alguns mecanismos de alerta e resposta aos
conflitos regionais, e consideradas como as principais linhas orientadoras para
a Comunidade Internacional sobre a prevenção de conflitos.
A prevenção de conflitos contempla para
além de acções no campo da estratégia nacional e do nível operacional, um
conjunto de acções e procedimentos de carácter político e diplomático, levados
a efeito em espaços vulneráveis, de forma a evitar a ameaça ou o uso da força
como meio de coacção empregues por parte de estados ou grupos, com a finalidade
de garantir a estabilidade económica, política e social, numa dada sociedade ou
região. Estes procedimentos podem ocorrer antes de o conflito eclodir com vista
a evitar a escalada da violência ou mesmo após um conflito recente já
resolvido, no intuito de acautelar o seu possível (e indesejado) reacendimento.
Este aspecto particular da gestão pós-conflito, aparece actualmente com maior
acuidade e pertinência nas agendas das negociações para a paz, devido não só às
recentes experiências dos conflitos no Iraque (1993 e 2003), como da crescente
necessidade e interesse da ONU (especialmente) e da Comunidade Internacional,
em geral, em recuperar os estados no pós-conflito, normalmente compreendendo o
conjunto de acções que permitem criar as infra-estruturas básicas do Estado,
tendo em vista garantir a sua sustentabilidade, processo que se designa por
“peacebuilding”. Podemos desta forma aferir que a prevenção de conflitos,
contêm medidas de amplitude diferente, de carácter multidimensional, abrangendo
acções concertadas, planeadas e concretas, tendentes a encontrar o caminho da
paz antes de se derivar para o conflito. O propósito fundamental da prevenção
de conflitos, consiste nomeadamente, como vimos, em “…actuar satisfatoriamente
antes dos primeiros sintomas de um conflito, impedindo-o que este escale para a
violência…”, a partir do qual será mais difícil, fazer a sua gestão e posterior
«transformação» (Fisas, 2004, 143).
Uma permanente monitorização do conflito
faz-se estabelecendo estruturas específicas e indicadores (fiáveis) de
acompanhamento, que associados aos múltiplos factores presentes, de eclosão
potencial do conflito (sociedade, economia, religião, recursos, etc.), tornam
possível uma monitorização eficaz. Em sintonia, estabelecem-se mecanismos de
alerta precoce (Early Warning System) que permitem monitorizar, num determinado
Estado ou numa dada região, o eclodir e o evoluir da conflitualidade regional.
Algumas Organizações Regionais e Internacionais, têm tendencialmente associado
aos mecanismos de alerta, meios de resposta rápida, permitindo actuar nos
estágios iniciais dos conflitos e especialmente intervindo na fase pré
conflitual, na sua área de interesses conjuntural, possibilitando uma contenção
mais eficaz e mais rápida do mesmo.
Em resumo, podemos dizer que a prevenção
se efectua preferencialmente nos primeiros estágios do conflito, consistindo em
detectar em tempo, indicadores da eclosão e da evolução de um potencial
conflito, com vista a tratá-lo convenientemente, tendente a diminuir a contenda
e os interesses entre os actores desavindos. Neste âmbito, Lund, acrescenta
contextualizando, que a prevenção de conflitos refere-se a um “…conjunto de
acções político-estratégicas levadas a efeito, por parte das instituições
governamentais, que de forma expressa tentam conter ou minorar as ameaças, o
uso da violência organizada e outras formas de coacção por parte de Estados ou
grupos concretos, com a finalidade de reduzir as disputas no interior, ou entre
Estados…” (Fisas, 2004, 143-144). Esta definição, apresentada por Vicenç Fisas,
eleva a temática da prevenção de conflitos ao mais alto nível da relação entre
estados, constituindo factor primordial nas actuais dinâmicas em prol da
segurança e do desenvolvimento no mundo.
A
Resolução de Conflitos
Uma das formas de distinguir a prevenção
da resolução de conflitos (conflict resolution), é relativizar estas
actividades no tempo. Assim, no primeiro caso, refere-se a estágios
pré-conflituais ou em fases prematuras do conflito (antes deste se tornar
violento) e ocorre normalmente por um período dilatado de tempo. Por sua vez, a
resolução de conflitos acontece em etapas mais avançadas da curva do conflito,
quando este ultrapassa o limiar da violência e escala para uma situação de
crise, podendo chegar em última análise ao conflito armado, a guerra. Neste
âmbito, carece em regra de medidas mais urgentes, com maior robustez e
realizadas normalmente sobre a égide da ONU ou de outras Organizações
Internacionais, Regionais ou Sub-regionais credíveis, constituindo uma terceira
parte que não só vai mediar o conflito, como será o interlocutor privilegiado
da sociedade internacional para esse conflito, assumindo por norma a liderança
conjugada das dinâmicas pacificadoras na região. Na escalada da curva de
aceleração inconstante do «ciclo de vida do conflito», ao se atingir o patamar
da crise, a sua gestão caracteriza-se predominantemente, em função do factor
“tempo”, desenvolvendo-se em norma, por um longo período de tempo, exigindo
contudo medidas “drásticas” e envolvendo (por norma) terceiras partes e actores
internacionalmente credíveis7, na tentativa de evitar que este conflito assuma
as proporções de um conflito armado ou possa escalar para um patamar de
violência generalizado que torne o pais ou a região num estado de guerra.
Peter Wallensteen apresenta-nos uma
concepção para resolução de conflitos, em que a define como “… a adopção de
medidas tendentes a resolver o cerne da incompatibilidade que esteve na origem
do conflito, incluindo as tentativas de levar as partes a se aceitarem
mutuamente. Compreendendo o conjunto de esforços orientados no sentido de
aumentar a cooperação entre as partes em conflito e aprofundar o seu
relacionamento, focalizando-se nos aspectos que conduziram ao conflito,
promovendo iniciativas construtivas de reconciliação, no sentido do
fortalecimento das Instituições e dos processos das partes…” (2004, 8). Esta
definição, muito utilizada em contexto académico, aduz ao sentimento de diálogo
e de mútuo entendimento com vista à cooperação estratégica para a resolução do
conflito, apontando algumas áreas prioritárias de intervenção. Noutra
perspectiva, Charles-Philippe David, citando Fetherston, refere que a
“…aplicação não coerciva de métodos de negociação e de mediação, por
terceiros, com vista a desarmar o antagonismo entre adversários e a favorecer entre
eles uma cessação durável da violência…”, pode constituir o cerne da
problemática em torno da resolução de conflitos (2001, 284). Neste sentido,
existem actualmente um conjunto de mecanismos ao dispor da Organização das
Nações Unidas, que vão desde a diplomacia preventiva, associado à prevenção de
conflitos, ao “peacemaking”, “peacekeeping” e na fase de reconstrução
pós-conflito, o “peacebuilding”, com o objectivo de cessar as hostilidades e
levar as partes em confronto a aceitar a paz.
Mais recentemente, devido ao crescimento
do grau de complexidade nos conflitos regionais, temos assistido a uma
desmultiplicação e ao emprego combinado de forças militares, policiais e civis,
em missões dos tipos anteriormente apresentados, convergindo metodologicamente para
uma combinação de soluções multinacionais e multidisciplinares. Neste sentido
constata-se no entendimento que crises complexas necessitam de soluções
complexas, levando a que actualmente, as crises e os conflitos se tornaram mais
complexos em que os mecanismos e os meios empregues na resolução sejam
proporcionalmente de dimensão e complexidade maiores. Pretende-se com as
estratégias multilaterais fazer face a uma combinação de ameaças, sendo esta a
essência da globalização da actual revolução dos assuntos militares nos
conflitos de hoje. Neste âmbito, Vicenç Fisas refere que existe um conjunto de
respostas possíveis e multi-dimensionais para fazer face a um conflito e que
estas podem ir desde a simples negociação entre as partes, até à sua eventual destruição,
levando mesmo a assumir que “…a gestão óptima do conflito consiste em limitar
as franjas das respostas do “continuum” do conflito que não inclua a violência
física e o recurso à guerra…” (2004, 30).
A resolução de conflitos é definido, como
vimos, como um multifacetado processo, que requer análises sistémicas,
multidisciplinares e profundas, mas principalmente análises individualizadas e
muito detalhadas, centradas nas causas base do conflito, com vista a se
alcançar o cerne do problema e a proporcionar uma cooperação específica e
focalizada nos principais diferendos entre os contendores. O papel de uma
terceira parte (neutral mas com credibilidade) é essencial para a credibilidade
e transparência do processo, para identificar e prestar assistência às partes
em litígio e para se alcançar em processos mais complexos, a “paz possível”, no
que alguns actores apelidam de “transformação do conflito” (conflict
transformation) (Miller, 2005, 26) (Ramsbotham et. al., 2006, 12).
Na análise da dinâmica do conflito
apresentado por Vicenç Fisas, após se ter ultrapassado o limiar do confronto
armado, os esforços devem estar centrados, segundo o autor, na tentativa de
pacificação do conflito (peacemaking) e na garantia da manutenção da paz
(peacekeeping), a chamada “fase proactiva” da resolução do conflito, em que
podemos influenciar directamente pela nossa decisão e principalmente pela
acção, o evoluir do conflito. Por outro lado, quando o conflito ultrapassa o
patamar da violência armada, entramos na “fase reactiva” da sua resolução, em
que numa primeira etapa o objectivo primordial é alcançar o cessar-fogo e numa
segunda etapa se apela à manutenção da paz e à reconstrução (peacebuilding),
principalmente quando se baixa do limiar da violência armada e se entra na paz
instável (2004, 33). Segundo o autor, devemos apenas numa segunda ordem de
prioridades encetar um conjunto de mecanismos tendentes a resolver a raiz do
conflito e a restaurar novamente a paz estável. Estamos assim, na gestão
possível dos efeitos em que se actua por impulsos de necessidades e normalmente
em reacção aos acontecimentos conjunturais. Neste contexto, a resolução do
conflito torna-se mais difícil, muito mais morosa e necessariamente com efeitos
menos consensuais face aos objectivos estabelecidos, ou seja, restaurar a paz e
possibilitar a resolução do conflito pela via pacífica.
A
Gestão de Conflitos
Surge várias vezes, na diálise em torno da
conflitualidade actual, quer seja na área da diplomacia, da estratégia ou da
política e na vertente militar (operacional), o conceito de gestão de conflitos
(conflict manegement), referindo-se normalmente a uma conceptualização de
carácter teórico, dedicada à limitação, mitigação e contenção do conflito, sem
necessáriamente o resolver. Neste conceito, reconhece-se à partida que o
conflito não se pode resolver no imediato e que por esse motivo se coloca o
assento tónico na sua limitação e na gestão das suas consequências destrutivas
imediatas. É por essa via, mais um conceito de carácter académico e abrangente,
no sentido amplo da pacificação do conflito e que segundo Vicenç Fisas,
normalmente se “…limita aos aspectos técnicos e práticos do esforço no sentido
de alinhar as divergências entre as partes em litígio…” (2004, 184).
Gerir o conflito, implica antes de mais,
conhecer apropriadamente o seu cerne e catalogá-lo de acordo com as suas
características próprias, principalmente quanto às motivações, causas e
objectivos das partes em confronto. Assim, se quisermos tipificar ou agrupar os
conflitos mais recentes, muitas são as matrizes, tabelas ou grelhas que nos
orientam na investigação e que permitem uma catalogação empírica. Para Hugh
Miall, os conflitos dividem-se em “interestatais” e “não interestatais”, sendo
estes últimos subdivididos em revolucionários ou ideológicos, conflitos de
identidade ou de sucessão e conflitos de facções (2004, 30). Esta separação
está principalmente vocacionada para a matriz da conflitualidade no pós
guerra-fria, constatando-se actualmente, um maior grau de complexidade,
abrangência e âmbito dos mesmos, necessita, de uma conceptualização mais
realista e adequada à actual conjuntura dos conflitos no mundo. Neste âmbito,
segundo Peter Wallensteen, numa concepção elaborada à luz do Direito
Internacional, apresenta-nos uma análise das causas do conflito, considerando
que existem três tipos de conflitos: os conflitos “interestatais”, envolvendo o
território e a governação, os “intraestatais”, envolvendo os governos e o
Estado e um terceiro tipo, os “intraestatais” sobre o território. Os primeiros
são disputados entre nações ou alianças de nações, por sua vez, os conflitos
“intraestatais”, são de carácter eminentemente internos e são disputados dentro
do território do próprio Estado8 (2004, 74). Esta divisão aparentemente simplista,
entre conflitos intra e inter-estados, permite actualmente diferenciar e
catalogar a maioria dos conflitos que proliferam no mundo, sendo apontado pelos
autores, como a principal mudança verificada nesta temática ao longo da segunda
metade do século XX e no início do século XXI. A gestão dos conflitos inter e
intra-estatais, são necessariamente diferentes, contudo, em termos conceptuais
se quisermos chegar a um conceito de gestão de conflitos, podemos referir que
integrando uma síntese das várias correntes de pensamento apresentadas, podemos
definir a gestão de conflitos como “o esforço continuado para conter ou reduzir
a escalada da violência entre as partes e proporcionar uma comunicação eficaz
com vista a reduzir as disputas e levar ao terminus da violência”.
Os
Mecanismos de Gestão de Conflitos
O fenómeno da conflitualidade não é um
processo estático, finito ou inócuo. Pelo contrário, contempla uma sucessão de
circunstâncias e factos dinâmicos, que a história da humanidade se tem
encarregue de dar bom testemunho, caracterizando-se determinados períodos da
história universal em função e associados intimamente a esses conflitos. Assim,
temos o período das “Guerras Púnicas”, da “Guerra da Sucessão Espanhola”, da
“2ª Guerra Mundial”, entre muitos outros, que marcaram uma época e definiram
uma dinâmica no contexto regional ou global onde históricamente se inseriram.
Neste âmbito, cada conflito apresenta num dado momento da história, uma
dinâmica conjuntural onde se associam um conjunto de características únicas e
próprias. No entanto considera-se que a heterogeneidade dos conflitos, aduz
transversalmente, aspectos e circunstâncias comuns que permitem conceptualmente
estabelecer um modelo de análise sistemático para o conflito. As causas e
consequências da actual conflitualidade, independentemente da sua base
geográfica, ideológica, política ou de circunstância, apresentam aspectos
“normalizados” e mais ou menos comuns, que possibilitam estabelecer um modelo
padrão de abordagem à análise aos conflitos, centrando-se normalmente nas suas
principais características: intensidade, durabilidade e os mecanismos de gestão
associados.
A sistematização do conflito num modelo
padrão e a sua consequente análise, associados num “ciclo”, permitem, como
vimos, numa primeira instância, um melhor entendimento da dinâmica da «vida do
conflito», permitindo mais facilmente congregar estratégias e afectar recursos,
tendentes a reduzir ou a limitar o seu impacto nas sociedades. Nesta
perspectiva teorizadora da conflitualidade, vários modelos foram entretanto
idealizados, quase todos, tendencialmente cíclicos, conjugando níveis de
intensidade, evoluindo da paz para a guerra, passando pela crise e vice-versa,
até se restabelecer novamente uma paz. Consequentemente, agruparam-se etapas,
definiram-se as fases ascendentes e descendentes da curva do conflito,
limitaram-se situações pré e pós conflituais, permitindo uma mecanização na
adopção de termos e uma conceptualização doutrinária mais sólida e muito mais
abrangente.
Actualmente, os ciclos de análise dos
conflitos, inscrevem-se numa curva de aceleração variável que corresponde
inicialmente a uma fase de crescimento do conflito (de aceleração positiva),
seguida de um período de recessão e de retorno à paz, onde se passa por algumas
etapas e estágios evolutivos, nos quais a gestão de conflitos inscreve
mecanismos e estratégias próprias, principalmente no âmbito da sua prevenção e
resolução. Embora a tendência académica, seja no intuito de se padronizar os
conflitos, importa reter que nem tudo é padronizável, que «cada conflito é um
conflito» e que em regra, será necessário uma análise cuidada, multidisciplinar
e contextualmente abrangente, para se poder comparar as fases de evolução,
etapas, ou processos, pois a dinâmica dos conflitos não é sempre linear.
Contudo, a progressão do conflito permite uma relativa padronização em determinadas
fases da sua evolução e nesse intuito permite-nos afirmar que os modelos
orientam a análise académica dos conflitos mas não explicam cabalmente os seus
motivos, causas e permitem perspectivas as consequências.
Presentemente, o modelo apresentado pelas
Nações Unidas no que concerne à resolução dos conflitos designados de “maior
responsabilidade” (para identificar o grau de importância), usados na
terminologia de Hillen, é desenvolvido normalmente à custa de “…coligações de
vontades, lideradas por estados poderosos ou alianças credíveis com uma unidade
de comando clara e perfeitamente definida…” (Branco, 2004, 113). Neste sentido,
o grau de complexidade crescente nos conflitos regionais actuais que proliferam
no mundo, implica, como vimos, uma multidisciplinaridade e multinacionalidade
dos actores aos vários níveis da intervenção. Prova desta realidade é o facto
dos mecanismos tendentes à resolução de conflitos intra estatais9, conjugarem
uma miríade de acções e processos diferenciados tendentes à sua resolução.
Neste âmbito, Hugh Miall, concebe inovadoramente três níveis de empenhamento
dos vários actores consoante os vários actores que intervêm nesse conflito,
permitindo aferir do grau de importância e da robustez dos meios empregues na
resolução do conflito (Figura 2).
O modelo admite um nível de
comprometimento de meios e de acções que foram designados e estratificados por:
“Nível I”, mais baixo e limitado no âmbito, estando reservado e vocacionado à
resolução local e onde se recorre por excelência, à resolução interna do
conflito, afectando entidades locais e o próprio Estado, no sentido de resolver
o conflito intramuros. O “Nível II”, que se refere à intervenção de entidades
ou de actores de nível sub-regional, ONG’s, empresas e organizações privadas e
num “Nível III”, nível máximo de intervenção, normalmente de dimensão regional,
internacional e multinacional, em que se emprega um conjunto de mecanismos com
meios mais robustos, complexos e por norma, globais, como último rácio para
resolver o conflito (Miall et. al., 2004, 20). Neste modelo, são ainda
apresentados conteúdos relativamente à adopção de iniciativas com vista a
adequar a intervenção dos vários agentes que actuam aos diferentes níveis de
resolução do conflito. Importa contudo reter que, actualmente, a intervenção na
resolução de conflitos integra conjunturalmente um ou mais níveis, que numa
intervenção, agentes do Nível II ou mesmo do Nível III, podem actuar antes ou
em sobreposição com os do Nível I. Contudo, parece-nos que o modelo pode
constituir uma base conceptual útil para que se possa fazer uma abordagem
teórica à resolução de um conflito regional num determinado continente.
Um
Modelo de Análise dos Conflitos Internos
O quadro conceptual empregue para efectuar
a análise dos conflitos internos num Estado, elaborado por Pauline Baker e
publicado pelo “Fundo pela Paz” (Fund for Peace)10, dá-nos uma percepção global
do conflito assente no seu «ciclo de vida», desenvolvendo-se como que uma
ferramenta de análise e de monitorização da sua evolução, quer este progrida
para uma situação de deterioração e conduza ao conflito armado ou para um
estágio de segurança e paz sustentável (Figura 3).
O modelo de análise dos conflitos internos
proposto por Pauline Baker, sustenta o diagnóstico e a intervenção da
Comunidade Internacional, em face dos desenvolvimentos em torno de um conflito
interno, num determinado Estado ou região, sendo apresentado como especialmente
vocacionado para a análise de conflitos no continente Africano (Fund for Peace,
2003). Este processo assenta conceptualmente em cinco etapas da “vida do
conflito” e apoia-se num ponto de decisão, compreendendo um conjunto de
“sugestões” para a sociedade internacional, com vista a levar a cabo acções
consensuais no sentido de resolver o conflito ou a reduzir o seu impacto nas
populações. Numa breve abordagem ao modelo, podemos dividir este em duas partes
distintas: a identificação das fases do conflito, que se inicia pela análise
das “rootcauses” (causas profundas) e causas imediatas do conflito, seguidas
das fases três e quatro, que inclui directamente a resolução do conflito e numa
última fase, onde se pretende alcançar o “estado final” desejado para o
conflito. Num segundo patamar lista-se o conjunto das acções a empreender
tendente à sua resolução, na qual se referem medidas concretas e em linha com
as supracitadas fases do conflito. Apesar da sua aplicação nem sempre ser
linear, o modelo constitui uma útil ferramenta de análise e um excelente guia
para a intervenção e acompanhamento do evoluir de um conflito interno num
determinado Estado por parte da Comunidade Internacional.
A fluidez do conflito, as suas
características e a análise à conjuntura, permitem aludindo ao modelo de
Pauline Baker, garantir potencialmente uma maior flexibilidade na interpretação
do conflito e ajustá-lo a uma evolução negativa ou positiva, possibilitando não
só no contexto da prevenção, mas especialmente na fase de resolução, empregar
processos e recursos previamente reservados para este fim. Neste contexto,
salienta-se que as causas estruturais e os indicadores de possíveis tensões
podem estar associados a acontecimentos e a ameaças ao próprio conflito. O
“Ponto Decisivo” (PD) surge desta forma, como o momento em que face ao evoluir
dos acontecimentos a sociedade internacional, pode (e deve) intervir para
resolver o conflito interno, constituindo o elemento fulcral no contexto
conflitual em causa. O conflito deriva para o “Caos”, quando se assiste a uma
desfragmentação do Estado e à destruição do sistema social ou em alternativa,
este evolui para um “Constitucionalismo” democrático, com a realização de
eleições livres e a formação de um governo de unidade nacional, figura
recorrente nas últimas intervenções das Nações Unidas na resolução de conflitos
em todo o mundo. Este quadro conceptual de indicadores do conflito versus
acções a tomar para o gerir, é actualmente, o referencial empregue para
analisar e acompanhar as intervenções das organizações mundiais nos conflitos
internos nos estados, onde se ressalta especialmente a intervenção
universalista da Organização das Nações Unidas, no seu papel de pacifista pelo
mundo. Particularmente quando a tipologia das acções levadas a efeito são
utilizadas pelas organizações, em função do ponto decisivo definido e em
consequência das decisões adoptadas pelos órgãos de conselho e decisórios,
sendo nas Nações Unidas protagonizado em regra pelo seu Conselho de Segurança.
Conclusões
Temos vindo a constatar que os conflitos
que proliferam regionalmente no mundo, apresentam uma nova geografia,
movendo-se por uma geopolítica e geoestratégia inovadora, que lhe conferem
características próprias de intensidade e prevalência nas sociedades, alterando
consequentemente a forma de encarar a sua gestão, prevenção e resolução. Estes
conceitos nem sempre foram entendidos pela Comunidade Internacional de igual
forma e significaram propósito idêntico, tendo levando à necessidade de se
estabelecer um diálogo multidimensional e mais esclarecedor na sociedade
internacional, conduzindo ao aparecimento de várias teorias especializadas na
abordagem da conflitualidade e dos fenómenos da paz e da guerra. O tema dos
conflitos adquiriu por essa via, uma nova relevância, passando a estar
associado ao desenvolvimento sustentado e a preocupar toda a sociedade, pois
sem segurança participada não pode haver desenvolvimento sustentado e sem desenvolvimento
não há segurança.
Uma das bases conceptuais de partida para
se analisar um conflito é recorrendo ao «ciclo de vida do conflito»,
constituindo-se como modelo de análise que sintetiza o evoluir do conflito e
traça as linhas mestras da intervenção em prol da pacificação do mesmo. Neste
modelo pressupõe-se, entre outros aspectos, uma abordagem às suas raízes
(causas) mais profundas (rootcauses), especialmente em relação aos actores
envolvidos, aos litígios em causa, às estruturas de oportunidade, à interacção
estratégica conjuntural e a própria dinâmica do conflito. Factores estes que ao
se associarem, tornam a detecção das causas que deram origem a um conflito, num
completo “puzzle” de hipóteses. Facto que nem sempre tem contribuído para um
correcto entendimento do mesmo por parte da Comunidade Internacional, pois, sem
se saber concretamente as causas de um determinado conflito, tendo a mesma base
conceptual, não faz sentido falarmos em gestão, prevenção ou resolução do
conflito. Enquanto a prevenção de conflitos tem como objectivo acções de longo
prazo, tendentes a evitar o surgimento ou a escalada do diferendo ou
contencioso, assentando em grande medida, na diplomacia preventiva e no
pré-posicionamento de forças militares, a resolução, acontece em estágios mais
adiantados do ciclo de vida do conflito, quando este ultrapassa o limiar da
violência e se pretende alinhar as desavenças entre as partes em conflito, no
intuito de preferencialmente pela via do diálogo, restabelecer a paz e
desacelerar a curva do ciclo de vida do conflito.
O quadro conceptual para análise dos
conflitos internos num Estado apresentado por Pauline Baker, permite-nos uma
percepção global do conflito, que assente no «Ciclo de vida» de Swanström e
Weissmann, proporcionam uma ferramenta de análise e de monitorização constante
em face da sua evolução. Identifica-se estes modelos como uma ferramenta
conceptual importante para qualquer estudioso da conflitualidade e modelo
académicos e importantes quanto temos em vista sistematizar as causas e os
efeitos desse conflito. Na prevenção e resolução de conflitos, existem vários
modelos e inúmeras estratégias de intervenção para encontrar a paz e a
estabilidade regional, contudo não haverá uma “solução milagrosa” para todos os
conflitos pois na sua génese, cada conflito é um conflito…
A
análise conceptual tendo por base os modelos académicos, contribuirá para a
necessária análise das “rootcauses” do conflito. Contudo, uma abordagem
correcta deve ter sempre em mente as duas realidades, a dimensão real e o
modelo académico, da cabal interacção entre estas duas realidades, sairá uma
possível explicação para o conflito, permitindo assim a sua gestão, prevenção e
resolução. Em suma, podemos dizer que para cada conflito haverá mediante uma análise
concreta às suas causas mais directas e profundas, um conjunto de intervenções
e estratégias multifacetadas, tendentes a prevenir, resolver, gerir ou a
transformar o mesmo. Estas dinâmicas pretendem contribuir para a segurança
regional, a estabilidade global e uma paz mundial, em prol de um
desenvolvimento regional e global, aspectos característicos da “nova” ordem
internacional. Ler mais aqui»
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