segunda-feira, 18 de abril de 2016

Guiné-Bissau: Os guineenses não se devem deixar enganar sobre as ajudas dos Parceiros Internacionais prometidas aquando da Mesa Redonda de Bruxelas

Por, Fernando Casimiro

Penso que os guineenses não se devem deixar enganar sobre as ajudas dos Parceiros Internacionais prometidas aquando da Mesa Redonda de Bruxelas, em Março de 2015.

As ajudas foram prometidas à Guiné-Bissau e não a Partido Político X ou Y e nem a fulano ou a beltrano, tendo em conta a existência e a salvaguarda de um clima de Paz social e de Estabilidade Governativa, face ao compromisso assumido, na altura, por todos os actores políticos e de governação, do país.

O Governo que na altura se fez representar em Bruxelas era o Governo da Guiné-Bissau, um Governo designado de Inclusivo, independentemente de ser liderado pelo PAIGC com toda a legitimidade que os resultados eleitorais ditaram nas eleições legislativas de 2014.

O Presidente da República também esteve presente para demonstrar, com a sua presença, independentemente dos conflitos institucionais que já havia, que todo o país estava unido na Mesa Redonda de Bruxelas.

A Paz e a Estabilidade são essenciais para o desbloqueamento dessas ajudas tendo em conta as eleições presidenciais e legislativas realizadas em 2014 que permitiram o regresso da normalidade constitucional e democrática à Guiné-Bissau.

A crise política que prevalece na Guiné-Bissau, deve ser resolvida através do diálogo e de consensos, pois que, não é sinónima de ruptura da via constitucional e democrática, pelo contrário, é mais uma etapa de aprendizagem do complexo percurso de construção e afirmação do Estado de Direito Democrático que se pretende para a Guiné-Bissau.

As divergências até então, são de natureza política e reflectem consequentemente, desgastes políticos que devem ser recuperados e ultrapassados através da harmonização da classe política e governativa.

Não houve ao longo desta legislatura nenhum atropelo constitucional por parte de órgãos de soberania de natureza política com pedido de fiscalização de constitucionalidade ao Supremo Tribunal de Justiça, que tivesse ficado sem pronunciamento e decisão arbitral por parte do Supremo Tribunal de Justiça, independentemente de se concordar ou discordar.

O Presidente da República foi o primeiro a ver uma sua violação constitucional declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal de Justiça, tendo revogado imediatamente a sua decisão, sem questionar a decisão do Supremo Tribunal de Justiça e cumprindo rigorosamente com o estipulado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.

Ninguém pediu eleições gerais antecipadas nessa altura!

Se antes do acórdão nº3/2016 de 04.04.2016 que ditou a inconstitucionalidade da perda de mandato de 15 Deputados da Nação, o PAIGC, o Governo e a Mesa da Assembleia Nacional estavam seguros de que só a via judicial resolveria a crise política, tendo manifestado publicamente a defesa dessa certeza, inclusivamente, aos Parceiros Internacionais da Guiné-Bissau, então, por que razão depois do pronunciamento do Poder Judicial, através do acórdão nº3/2016, se está a pedir eleições gerais antecipadas?

É ou não um desrespeito ao Supremo Tribunal de Justiça, tentar passar por cima da sua decisão, enquanto órgão de soberania com competência relativamente a processos de fiscalização da constitucionalidade e da legalidade?

É ou não uma demonstração de falta de palavra do PAIGC perante afirmações/sustentações anteriores?

Pode-se considerar ou não que, a ideia de se avançar com eleições gerais antecipadas resulta de uma clara pretensão de não acatar o acórdão nº3/2016?

Afinal, só deixará de haver crise quando forem satisfeitas as vontades do PAIGC?

O PAIGC deve reconsiderar profunda e urgentemente as suas posições face ao ponto actual da crise política na Guiné-Bissau e evitar promover confrontações sociais de consequências imprevisíveis.

Os mil milhões de euros prometidos pelos Parceiros Internacionais à Guiné-Bissau aquando da Mesa Redonda de Bruxelas não justificam nenhuma estratégia de agravamento da crise política na Guiné-Bissau!

O desbloqueamento dessa verba não é uma questão de vida ou de morte para a Guiné-Bissau e para os guineenses e o tempo tem-no demonstrado!

Já recebemos milhões de milhões de euros em ajuda externa ao longo de 42 anos de independência e não se viu nenhum sinal de aproveitamento de tantos milhões de milhões, pelo contrário!

Quem obrigará o Presidente da República a renunciar ao seu cargo, decorridos 2 anos de mandato, para haver eleições presidenciais, já que nenhuma indicação nesse sentido foi manifestada por ele próprio e sabendo que o seu mandato é de cinco anos?

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Constituição da República da Guiné-Bissau
ARTIGO 66°
1 - O mandato do Presidente da República tem a duração de cinco anos.
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Ou está-se à espera de algo para que condições outras, que não a sua livre iniciativa e vontade obriguem a que haja eleições Presidenciais e Legislativas antecipadas?

E porquê falar agora de eleições "gerais" antecipadas quando até há poucas semanas se acreditava e se resumia a resolução da crise pela via judicial, transmitindo de forma convincente essa certeza aos parceiros e aos organismos internacionais?

Com que credibilidade se pede agora eleições gerais antecipadas como única forma de resolver a crise?

Seremos todos ingénuos, incluindo os Parceiros Internacionais da Guiné-Bissau?

Quem insistiu com a resolução da crise pela via judicial e que agora, depois da decisão judicial lhe ser desfavorável, alega que só eleições "gerais" antecipadas serão a solução para a crise política guineense?

Qual é o órgão de soberania com competência para dissolver a Assembleia Nacional Popular e convocar eleições legislativas, ao abrigo da Constituição, que não o Presidente da República?

Que se saiba o Presidente da República não manifestou oficialmente, o desejo de dissolver a Assembleia Nacional Popular, nem de demitir o Governo por sua iniciativa no âmbito das suas competências constitucionais.

O Governo, tal como está na Constituição da República, não é demitido apenas por iniciativa directa do Presidente da República, mas também, por iniciativa da Assembleia Nacional Popular, através dos pressupostos constitucionais que possam ditar a retirada de confiança política da maioria absoluta dos deputados ao governo.

No caso de o Governo ser demitido por via da perda de confiança parlamentar, isso não implica necessariamente a convocação de eleições legislativas antecipadas, ainda que também não exclua essa possibilidade, mas cabe ao Presidente da República a última palavra, depois de consultar o Presidente da Assembleia Nacional Popular que lhe transmite a situação da perda de confiança da maioria absoluta dos deputados, relativamente ao Governo, bem como o Conselho de Estado e os partidos políticos com assento parlamentar.

Pensar que o Presidente da República pode ou vai fazer isto ou aquilo, todos podem pensar o que, por bem, suas análises ditarem, porém, não seria sensato traduzirmos nossas análises em factos consumados, em nome de alguém que, só depois de se posicionar publicamente, poderemos ficar a saber o que tem a dizer ou o que decidiu fazer.

Ainda que haja exemplos de posicionamentos inconstitucionais por parte do Presidente da República; de dar o dito por não dito e de estar claro que também é parte directa da crise política guineense, o certo é que o tempo tem demonstrado que aprendeu com os seus erros, mesmo que essa demonstração, possa significar, nalgumas hostes, hipocrisia.

Um estadista ou um político, para amadurecer, não tem, necessariamente, que cometer erros, mas cometendo-os, deve aprender com eles e o Presidente da República, salvo exemplo concreto, contraditório ao meu ponto de vista, tem sido inteligente a lidar com a crise política guineense, contrariamente ao PAIGC e à Presidência da Mesa da Assembleia Nacional Popular.

Ao longo desta legislatura não houve, nem tem havido interferência militar, quiçá, uso da força directa ou de influência, na promoção da crise política.

Não há perseguição por via da liberdade de expressão dos cidadãos. Cada um diz o que pensa, a favor ou contra este ou aquele e ninguém pagou por isso!

Noutras épocas e com outros Presidentes da República, não foi assim!

Até à reposição da normalidade constitucional que culminou com as eleições presidenciais e legislativas de 2014 na Guiné-Bissau só havia os golpes de Estado como forma de "resolver" questões que eram de natureza constitucional de um Estado de Direito Democrático.

Felizmente essa triste realidade, não está mais presente na dinâmica da emancipação cidadã, política e social dos Guineenses.

Não se pode garantir que não voltará a haver golpe de Estado na Guiné-Bissau, mas pode-se garantir, de certeza, que ninguém tolerará mais um golpe de Estado na Guiné-Bissau!

A mentalidade é a de acabar mesmo com a prática dos golpes de Estado na Guiné-Bissau e assumir a disputa política pela via democrática.

A via democrática tem os seus instrumentos de resolução de disputas e a actual crise política guineense tem que ser resolvida através dos mecanismos democráticos e jurídicos que sustentam a República da Guiné-Bissau, definidos que estão na Constituição e nas Leis da República.

Podemos falar de disputas de egos e de conflitos de interesses, mas o poder de representação que foi delegado aos políticos e aos governantes, é um poder de natureza e competência política, por isso, tudo o que ultrapassa essa natureza política de representação ao abrigo do juramento que cada actor político e de governação prestou na sua tomada de posse, é sinónimo de incumprimento da Constituição, das Leis e dos deveres para com a República!

Se houver entendimento entre políticos e governantes, as ajudas prometidas aquando da Mesa Redonda de Bruxelas serão desbloqueadas, em nome da Guiné-Bissau, mas tendo em conta esta legislatura e não um novo contexto que poderia advir de novas eleições gerais antecipadas.

O PAIGC não deve ignorar que, ainda que tenha apoiado a candidatura do actual Presidente da República, os votos que o elegeram são da maioria do povo eleitor (e não necessariamente dos militantes do PAIGC) que não chegou a sair à rua para contestar o exercício do mandato presidencial.

Da mesma forma, a vitória do PAIGC com a maioria absoluta nas eleições legislativas, pressupõe que se deve respeitar os votos do povo eleitor nos demais partidos políticos representados na Assembleia Nacional Popular.

Só os órgãos de soberania competentes e no âmbito do que está estabelecido na Constituição e nas Leis da República, podem decidir sobre a realização de eleições e nunca os partidos políticos!

Ao PAIGC importa reconsiderar os seus erros ao longo da presente crise política e, chegados a uma nova realidade na configuração parlamentar face aos 15 Deputados que deixou de ter, perdendo a maioria absoluta de mandatos eleitorais, aceitar a proposta da negociação e viabilização de um Pacto de Estabilidade, apresentada quer pela ONU, quer pela CEDEAO, proposta essa que não sendo novidade nas sucessivas crises guineenses, também não chegou a ser aplicada/viabilizada até então.


Positiva e construtivamente.

Nota: Os artigos assinados por amigos, colaboradores ou outros não vinculam a IBD, necessariamente, às opiniões neles expressas.

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