Reflexão de Georgino Rocha
Após o ciclo litúrgico e festivo do
Natal, a Igreja entra no tempo comum e propõe que voltemos ao que foi celebrado
e aprofundemos a sua relação com a nossa vida, o seu alcance para o cuidado da
criação, o seu sentido para a história da humanidade. Isto é, que nos
familiarizemos com Jesus Cristo e a sua mensagem.
João Baptista surge, hoje, a dar o seu
primeiro testemunho a respeito de Jesus. Fá-lo, ao ver que Ele vem ao seu
encontro e se aproxima. Recorre a metáforas bíblicas conhecidas pelos ouvintes:
O cordeiro e a pomba. Ambas de grande simbolismo. O cordeiro pela mansidão,
ternura, vulnerabilidade, relação com o rebanho e o pastor. A pomba pela
inocência e pela paz, pelo amor puro e pela esperança anunciada.
O livro bíblico «Cantico dos Cânticos»
desenha muito bem a riqueza das metáforas para expressar o amor humano, reflexo
do amor divino: “Pomba minha… deixa-me ver a tua face, ouvir a tua voz, pois a
tua face é tão formosa e tão doce a tua voz” (2, 14). “Abre, minha irmã, minha
amada, pomba minha sem defeito” (5, 2). E o rosto do masculino e do feminino,
em harmonia deslumbrante, faz surgir a beleza do amor fontal e da torrente
criadora. Esta metáfora torna-se recorrente na revelação do amor de Deus por
nós e alcança em Jesus e na sua relação com a Igreja a realização plena.
Por isso, o papa Francisco pode dizer:
“A alegria do amor que se vive nas famílias é também o júbilo da Igreja”. (AL
1). E apresenta uma bela e exigente meditação sobre este amor quotidiano no
capítulo quarto da sua exortação apostólica. Exigência impregnada de paciência
e atenção ao outro, de abnegação e sacrifício.
O cordeiro de que fala João Baptista é
Jesus. A paixão e morte do Calvário são interpretadas na sequência da imolação
dos cordeiros no Templo de Jerusalém. Não como propiciação a um Deus cruel que
necessita do sangue do Filho para se acalmar e refazer a aliança. Seria um Pai
sanguinário, um Senhor justiceiro. Dá medo pensar num Deus deste tipo. O
“derramamento de sangue” (Heb 9, 22) exigido para o perdão dos pecados, é a manifestação
do amor vivido até ao fim por Jesus e o resultado da convergência de factores
humanos, religiosos e políticos dos judeus e romanos. É mais a confiança de
Deus Pai na generosidade do Filho, a sua condescendência e o seu respeito pela
liberdade humana. E após a paixão, surge a ressurreição. E do madeiro verde, a
cruz florida. O ser humano manifesta a sua dignidade integral!
João prossegue a narração do que
aconteceu com a confissão humilde da sua missão: Não sou quem pensais; vim
preparar o caminho; não conhecia aquele que vai chegar e passa à minha frente;
baptizo para ele se manifestar; vi o Espírito Santo em forma de pomba descer e
permanecer sobre ele; dou testemunho de que é o Filho de Deus. (Jo 1, 29-34). E
deu, agora e em muitas outras ocasiões, na vida pública e na prisão, suscitando
a adesão de uns e o ódio de outros, de que se destaca Herodíades pela
turbulenta e infiel vida conjugal.
Jesus, pela sua doação incondicional e
sem limites, tira o pecado do mundo, não apenas nas manifestações, mas nas
próprias raízes: o egoísmo que fecha a pessoa em si mesma, a vontade de dominar
a sabedoria do bem e do mal, a ganância da posse, a satisfação a curto prazo, o
calar a voz da consciência e negar a finitude da humanidade, o corte da relação
com Deus amor, fonte de vida e de amor.
A fé da Igreja proclama esta certeza,
repetindo na celebração da eucaristia: ”Felizes os convidados para a ceia do
Senhor. Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. E a comunhão, feita
a seguir, sela a sua aliança connosco para erradicar as forças do mal que
desumanizam as pessoas, perturbam e amarguram a convivência na sociedade, fazem
passar por verdade aquilo que objectivamente é mentira e manipulação; numa
palavra, promovem uma cultura de indiferença, de vazio, de morte.
A fé é a melhor “herança” que os pais
podem dar aos seus filhos, afirma o Papa Francisco após o baptismo de 32
crianças na Capela Sistina do Vaticano. E prossegue: “Vós sois aqueles que
transmitem a fé, tendes o dever de transmitir a fé a estas crianças: é a mais
bela herança que lhes deixareis, a fé!” O Papa recordou que o Batismo foi um
mandato explícito de Jesus, que enviou os seus discípulos a baptizar “por todo
o mundo”, e que até hoje esta é uma “cadeia ininterrupta” que segue de geração em
geração. E desta maravilha, nós somos testemunhas.
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