
A CPLP situação político-militar em Moçambique não suscita fortes preocupações?
Ana
Dias Cordeiro
Fonte: publico
Entrevista
ao académico moçambicano Lourenço do Rosário, um dos mediadores que tentou,
durante meses, fazer a ponte entre a Renamo e o Governo da Frelimo.
O
académico moçambicano Lourenço do Rosário é reitor da Universidade Politécnica
em Maputo e um dos dois mediadores das negociações para aproximar as posições
entre o Governo da Frelimo e a Renamo nos últimos dois anos. O outro é o bispo
anglicano moçambicano D. Dinis Sengulane.
Nenhum
é mediador oficial porque “nunca houve nomeação oficial de mediadores”, explica
Lourenço do Rosário numa entrevista ao PÚBLICO em Lisboa, à margem da II
Conferência sobre o Futuro da Língua Portuguesa no Sistema Mundial, onde foi um
dos participantes do primeiro dia. “A Renamo queria forçar essa tecla, mas o
Governo achou que não estavam esgotadas as condições para um diálogo sem
mediador.”
A
Renamo voltou, nos últimos dias, a exigir uma mediação externa e independente
para um diálogo. Mas esse diálogo só é possível depois de “ambas as partes
criarem as condições para Dhlakama poder reaparecer”, diz Lourenço do Rosário.
O que se passou, enfatiza, foi uma ocupação militar. “Moçambique vive uma
situação de guerra não declarada.”
Em
Moçambique, a situação, em vez de melhorar, está a piorar?
É
natural que aconteça algum endurecimento depois da ocupação [do local onde
estava Afonso Dhlakama]. Satungira não é propriamente uma base militar, é um
acampamento onde o líder da Renamo se encontrava a residir. Mas foi, de facto,
ocupada militarmente, e isso significou o início de uma escalada de violência.
O presidente da Renamo está em parte incerta. Não tem condições de poder
coordenar aquilo que ambas as partes garantem ser a sua intenção: privilegiar o
diálogo. Por outro lado, ele não se compromete com as acções que têm acontecido
um pouco por toda a província de Sofala. Significa que ele se
desresponsabiliza, mas o Governo não pode ficar atado a essa
desresponsabilização.
É
verdade que o Exército não sabe onde está o líder da Renamo?
A
Renamo diz que ele está em parte incerta mas nós, enquanto ponte entre ambos os
lados, sabemos que ele contacta os seus homens e dá-lhes algumas orientações.
Ele está comunicável. Se os serviços de informação sabem onde ele está, isso eu
já não estou em condições de dizer.
Dhlakama
está em contacto com os representantes do partido em Maputo? E no resto do
país?
Ele
está em contacto, pelo menos, com os seus homens de Maputo. Se está ou não em
contacto com as bolsas militares que existem na província, não sei. Mas
continua a afirmar que não é responsável por esses ataques.
A
posição do porta-voz em Maputo é exactamente a posição transmitida por
Dhlakama?
Às
vezes desfasada no tempo, mas sim.
Vê
boas perspectivas para o diálogo?
É
preciso criar as condições para que Dhlakama possa reaparecer de modo a
conduzir o processo de diálogo. Toda a sociedade moçambicana acha que este
problema só se resolve com o encontro entre o chefe de Estado Armando Guebuza e
o líder da Renamo, Afonso Dhlakama. Isto é fundamental. Não interessa a tese de
que, desaparecendo ele, ficam resolvidos todos os problemas. Há um discurso
mais radical que defende que a solução final seja essa, o que permitiria ou não
o processo da ilegalização da Renamo como partido político armado. Não é
constitucional, num país que é um Estado de Direito, ter um partido armado. E a
Renamo está armada. Esta posição — desarmar a Renamo — é legítima. Mas é
preciso saber como desarmá-la. Se através do diálogo, se militarmente.
Quem
pode criar as condições para Dhlakama reaparecer?
Ambos
os lados. É preciso parar esta espiral de violência. O Estado, legitimamente,
não pode permitir que no país haja focos de violência e não reagir. De reacção
em reacção, estamos a criar um crescendo de violência. Estão a morrer cidadãos
civis, estão a destruir-se propriedades, está a paralisar-se a economia.
A
situação é grave?
A
situação preocupa-me bastante. [Nas negociações que decorrem há dois anos, com
algumas interrupções] nós estávamos muito próximos da solução pacífica do
diferendo. Essa solução levaria naturalmente à acomodação de alguns dos
aspectos de reivindicação da Renamo, no que diz respeito ao xadrez político, e
também da necessidade de integração dos homens armados da Renamo dentro das
estruturas do Estado. Isto está na agenda. Alguma coisa resvalou. Não sei o que
aconteceu.
Quais
eram as concessões?
A
Renamo colocava quatro questões. A primeira relativa à Lei Eleitoral, que
define a composição partidária da Comissão Nacional de Eleições. A segunda diz
respeito à Defesa e Segurança. Os Acordos de Roma [de Paz, assinados em 1992]
permitiam a manutenção de uma bolsa residual de homens armados da Renamo para
protecção do seu líder…
E
permitia quantos homens?
Não
sei dizer, mas aproximadamente 150 ou 200 homens. Ao longo destes 20 anos, as
coisas foram-se agravando porque nunca se encontraram mecanismos para que estes
homens fossem integrados no Estado moçambicano, na polícia moçambicana do
Estado. A Renamo foi utilizando estes elementos como um instrumento de
chantagem política nos momentos em que achava que estava em perda. As outras
duas questões que eles colocavam em cima da mesa eram a partidarização do
aparelho do Estado e a uma equidade na distribuição da riqueza. Estas são
questões de debate nacional, não eram apenas questões da própria Renamo.
Achávamos que estávamos muito próximos de uma solução.
O
que correu mal?
Não
sei dizer. Há dados que me escapam. Interrogo-me quando me lembro [da
cronologia dos acontecimentos]. No dia 17 de Outubro, o líder da Renamo dizia
que não havia necessidade de haver colunas para protecção no troço da Estrada
Nacional n.º1 porque ele tinha desactivado todas as ordens de atacar essa
estrada. No dia 18, começam a surgir escaramuças, com mortos, prisioneiros. E
no dia 21 é ocupado o seu acampamento. Em três dias, alguma coisa mudou.
É
membro da Frelimo e foi escolhido pelo Presidente Guebuza para mediar, o que
suscitou dúvidas sobre a sua capacidade de manter a imparcialidade.
A
cidadania faz com que uma pessoa possa ver as coisas objectivamente. E eu
procurei ser o mais objectivo possível. Dentro da Frelimo há uma pluralidade de
visões. Tenho contactado o chefe de Estado, que foi quem me indicou para me
manter como ponte entre as partes, mas também mereço a confiança do líder da
Renamo. Ele telefona-me, fala comigo, embora ele saiba, e eu digo-lhe, ‘não se
esqueça que eu sou membro da Frelimo’.
Falou
com Dhlakama depois de ele se retirar do acampamento de Satungira?
Ele
tentou falar comigo, segundo disseram os colegas com quem ele está em contacto.
Sabe
quais são, ao certo, as intenções dele?
Ele
diz que quer dialogar. E não pode. Neste momento é refugiado militar, está a
fugir de uma operação militar. Não é uma questão de polícia, é uma questão
militar. Sendo uma questão militar, é uma situação de guerra, embora não seja
declarada. Quem ocupou o seu acampamento não foi a polícia, foram os militares.
Defende
uma retirada Exército para poder haver diálogo?
Só
pode haver uma retirada do Exército se houver, por outro lado, a cessação dos
focos de violência. E isso, infelizmente, não está a acontecer. Continua a
haver uma espiral desses ataques quer a alvos civis, quer a alvos militares.
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